Coronel Mario Sergio:
Policial também precisa de Direitos Humanos
O Coronel Mário Sérgio, em entrevista explicando mudanças no Regimento Disciplinar
O Comandante-Geral da PM (Rio de Janeiro), coronel Mário Sérgio Duarte, tomou uma decisão que pode até não repercutir muito na sociedade, mas tem enorme importância no resgate da cidadania dos Policiais Militares do Rio, sobretudo os que não são oficiais graduados. Ele determinou uma revisão no sistema de punição disciplinar dos policiais, para evitar prisões administrativas por faltas leves. Com a mudança, um PM não vai mais preso pro quartel, se não marchar direito. Não sofrerá mais a pena da privação da liberdade se estiver mal arrumado, com a barba por fazer, os cabelos grandes, com o coturno mal engraxado ou por chegar atrasado ao serviço.
Muitas vezes o Regimento Disciplinar é uma armadilha contra a própria instituição porque deixa bons subalternos reféns de oficiais superiores que infelizmente nem sempre estão preocupados com o bem comum.
Parece bobagem, mas essa decisão do comando da PM pode ajudar a elevar a auto-estima dos policiais e consequentemente levá-los até a tratar melhor as pessoas, sobretudo aquelas com as quais lidam diariamente nas ruas e em áreas pobres. Se um policial militar tem o segundo menor salário do país, precisa ao menos de melhores condições de trabalho e de respeito em seu ambiente profissional. Sem isso, às vezes fica muito difícil combater o crime.
Veja o que diz o comandante da PM sobre o assunto:
"Se eu trato meu policial como lixo, ele vai se comportar como lixo"
Por Coronel Mário Sérgio, Comandante-Geral da PM, do Rio, em depoimento ao repórter Natanael Damasceno, do GLOBO*
Sei que vocês queriam uma resposta rápida, mas a coisa é muito mais profunda. O problema é que o Código Disciplinar, o Regulamento Disciplinar, está muito defasado de seu tempo. Foi aplicado no tempo passado, onde as questões de Justiça eram entendidas de tal maneira que tudo se resolvia pela prisão. Todas as formas de penalidade, ou quase todas, eram resolvidas pela prisão. E no Universo Militar as punições aconteciam da mesma forma. Ou as pessoas cometiam uma falta muito leve e eram repreendidas, ou, se cometiam uma falta um pouco mais pesada, não exatamente graves, deveriam ir para a prisão. É uma idéia antiga de que a punição tinha que se estender ao corpo. Que as pessoas não teriam condições de entender o valor moral de uma punição. Mas isso é algo totalmente ultrapassado nos dias de hoje.
A Justiça está olhando hoje para os crimes, que é algo muito mais intenso, mais grave do que uma transgressão disciplinar. Coisa como uma falta ao serviço pode ser resolvida de forma diferente. Então nós temos um grande número de transgressões de disciplina, como corte de cabelo, alinhamento de uniforme, que muitas vezes são resolvidas com o encarceramento. E isso não faz sentido. Isto é uma bobagem.
Outra coisa é o instituto de se prender administrativamente à disposição do Comando. Isso tem sido feito de forma arbitrária. Um comandante, por uma falta qualquer, chega na sexta-feira e fala: "Você está preso à minha disposição". Às vezes por coisas pequenas o policial ficava às vezes sexta, sábado e domingo longe da família sem saber porquê estava preso.
Eu não estou dizendo que isso (a prisão administrativa) não vai acontecer quando houver necessidade de fazer determinada investigação especial. Mas o Comandante vai ter a obrigação de mandar alguém que lhe represente imediatamente ouvir o acusado, ouvir os acusadores, ouvir as testemunhas, colher todas as provas possíveis do que ele tá sendo acusado para mantê-lo preso. Senão não vai manter preso. Porque isso é arbitrário. Isso não acontece por exemplo na Polícia Civil. Somos militares para sermos arbitrários? Para andar na contramão da História? Nós estamos ainda em Beccaria. Nós estamos antes de Focault. Estamos antes das considerações de Beccaria, dos delitos e das penas. As pessoas, para entenderem o valor de uma penalização, não necessariamente têm que ter a pena estendida ao corpo.
A corporação não reflete sobre estas práticas e um sem número de outras práticas que mantém. O comandante, por exemplo não precisa de um séquito, mas um grupo pequeno trabalhando, pensando as questões da PM. Temos que desconstruir estes temas. Pensar em assuntos como os Direitos Humanos dos Policiais. Hoje o PM fica tão destituído de cidadania que a corrente hegemônica dos Direitos Humanos no Brasil diz que a defesa dos Direitos Humanos é só para as vítimas do Estado. Como o PM é o Estado, ela acaba ficando de fora dessa lógica.
O Regimento Disciplinar não é a Lei Penal. Hoje se usa essa grande muleta judicial. Se o PM foi acusado de homicídio, e se encontra em flagrante delito, ele tem que ser preso. Se não está em flagrante, deve se instaurar um inquérito. E quem está mais avalizado no inquérito para decidir se ele tem de ser preso ou não é o juiz. É o juiz que decide da prisão preventiva ou provisória. Mas sempre se usa a muleta porque é muito fácil. Qualquer coisa, prende o PM. Hoje se faz de uma forma muito covarde. Larga o cara na sexta-feira e segunda se vê qual é. Nos tempos modernos, seguindo as novas mentalidades do Direito, não pode ser aplicado nem ao PM. Agora ele poderá ser preso sim, mas não de forma covarde. Qual é o sentido disso? Por que só com o PM?
Não estou alterando o RDPM. Isso não é afrouxamento da Disciplina Militar, ao contrario, é trazer a PM ao ano de 2009.. Não é só na disciplina que está atrasada. É em Tecnologia da Informação. Na qualidade do serviço prestado à população. Mas não adianta trazer esses benefícios sem tratar dos nossos. Tenho certeza de que a população vai entender, pois estamos fazendo um esforço de dar-lhes o melhor serviço. Mas preciso humanizar o policial para que ele se torne mais humano. Se eu trato meu policial como lixo ele vai se comportar como lixo.
AINDA EXISTEM PESSOAS QUE NÃO ENTENDERAM O QUANTO O SER HUMANO É "INSIGNIFICANTE" DIANTE A GRANDIOSIDADE DO PODER DA NATUREZA - Carlos Cordeiro Mariano "Faça do Pedal uma Aventura! Nos vemos: Pedalando por Aí"
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